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Foto antiga de Hercule Florence

Inspirado no romance Robinson Crusoé de Daniel Defoe, escrito no século XVIII, Hercule Florence sonhava em dar a volta ao mundo, sonho comum aos jovens de sua época. Aos 19 anos embarcou em Toulon, na fragata francesa Marie Thérèse, em missão diplomática para a América hispânica, e desembarcou no Rio de Janeiro em abril de 1824, dois anos depois da independência do Brasil.

Além de inventor, foi desenhista, pintor, tipógrafo e naturalista. Florence viveu no Brasil até sua morte em Campinas, em 1879. Segundo seu biógrafo Estevão Leão Bourroul (1859-1914), sua vida é a narração singela e comovente das peripécias, das descobertas, das viagens, que constituem uma das páginas mais interessantes do século XIX brasileiro. Recebe as alcunhas de “Patriarca da Iconografia Paulista”, por Afonso Taunay (1876-1958), diretor do Museu Paulista, e de “da Vinci dos Trópicos”, pelo historiador Pietro Maria Bardi (1900-1999), mas a história de Hercule vai muito além de seus inúmeros inventos. Florence nos deixou uma profusão de cartas, cadernos de viagem, memórias científicas e relatórios, fruto de suas viagens e da observação do mundo, dando corpo a uma paisagem humana e crítica da organização da sociedade nacional daquela época.

Em comemoração aos 190 anos da descoberta isolada da Fotografia por Hercule Florence em Campinas, completados em 2023, nos alegra trazer ao público a primeira sala expositiva da cidade dedicada a seus estudos, inventos e produções. Nossa pesquisa foi baseada na rica documentação constante nos arquivos do Instituto Hercule Florence, que está disponível ao público em seu website e em suas publicações.

Hercule Florence | Vida e Obra
Foto antiga de Hercule Florence

1804

Nasce Antoine Hercule Romuald Florence em 28 de fevereiro, na cidade de Nice, França. Filho de Arnaud Florence e Augustine de Vignallys.
Foto antiga de Hercule Florence

1818

Em Mônaco, trabalha como desenhista e calígrafo.

1824

Chega à cidade do Rio de Janeiro a bordo do navio Marie Thérèze, após 45 dias de viagem.
Ilustração feita por Hercule mostra um navio antigo e o relevo do Rio de Janeiro com o Pão de Açúcar em primeiro plano, o Corcovado e uma montanha ao fundo.

1826

Integra a Expedição Langsdorff como segundo desenhista. A viagem tem início em Porto Feliz e percorre entre os anos de 1826 e 1829 os atuais Estados de São Paulo, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Pará, principalmente através de caminhos fluviais.
EXPEDIÇÃO LANGSDORFF

A Expedição Langsdorff foi uma das mais importantes incursões científicas realizadas no Brasil no século XIX, com a participação de Hercule Florence na sua segunda etapa. A viagem de estudos foi financiada pelo Império Russo e encabeçada pelo barão Georg Heinrich von Langsdorff, médico alemão naturalizado russo e cônsul da Rússia no Império do Brasil.  A expedição seria mais tarde retratada na seção Viagem Fluvial do Tietê à Amazônia, dentro do conjunto documental L’Ami des Arts livré à lui-même [O amigo das artes deixado por conta própria] a partir do aprofundamento de seus diários de viagem.

Clique aqui e você será levado a um mapa interativo baseado nos locais percorridos por Hercule Florence ao longo da Expedição. Após intensa pesquisa, os locais foram georreferenciados em uma base cartográfica a partir do programa Google Earth e estão disponíveis de forma interativa em conjunto com trechos do relato de viagem e imagens produzidas por Florence.

1829

Fim da Expedição Langsdorff, com chegada no Rio de Janeiro. Hercule Florence se estabelece na então Vila de São Carlos (atual Campinas).

Escreve os manuscritos de seu tratado intitulado Zoophonia, onde registra em notação musical os sons da fauna.

1830

Realiza o que chamou de Estudos de céus.

Passa a dedicar-se aos estudos de impressão. Nesse processo, descobre uma nova maneira de obter a impressão que recebeu o título de Polygraphie [Poligrafia].

Casa-se com Maria Angélica de Vasconcellos, filha de Francisco Álvares Machado Vasconcellos, com quem teria 13 filhos.
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Retomando a ideia de que uma descoberta leva à outra, o método de impressão, denominado Poligrafia ou Autografia, foi desenvolvido quando Hercule Florence encontrou dificuldades para imprimir seu artigo sobre as “vozes dos animais”, a Zoofonia.

Em oposição às técnicas trabalhosas e dispendiosas da tipografia e da litografia que se utilizam de grandes e pesadas prensas para fazer a impressão em papel, Florence propôs, em 1831, o uso de uma placa de cera como matriz, isto é, uma espécie de carimbo com uma tinta de consistência mais densa.

Após alguns anos de práticas e experiências – desenvolvidas em paralelo às suas pesquisas com a Fotografia – Hercule Florence conseguiu que a Poligrafia imprimisse simultaneamente cores variadas, o que significava um enorme avanço técnico em relação à produção de gravura tradicional.

ZOOFONIA

O contato com a natureza brasileira, em toda a sua exuberância visual e sonora, foi o que instigou Hercule Florence a desenvolver a zoofonia. Além de perceber que as vocalizações dos animais são específicas para cada espécie, para cada mensagem (acasalamento, defesa de território etc) e para cada gênero, Florence desenvolveu um método para transcrever as “vozes dos animais” por meio dos signos tradicionais da música (em vez do sistema onomatopaico usado até então).

A zoofonia foi precursora do campo que viria a ser chamado posteriormente de Bioacústica, disciplina que se firmou a partir da década de 1960.

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Ouça a gravação do som da Anhupoca (Chauna torquata)
do acervo da Fonoteca Neotropical Jacques Vieillard.

1832

Faz suas primeiras experiências fotoquímicas com a ajuda do boticário Joaquim Corrêa de Mello. Florence é o primeiro a escrever a palavra photographie, derivada do grego phôtós (luz) e graphein (escrever, gravar).
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1833


Através do uso de uma câmera escura por ele construída, realiza fotografias da cadeia de Campinas, de um busto de La Fayette e a vista de sua janela. Obtém a primeira fixação de imagem em papel, utilizando nitrato de prata e amônia.
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1837

Executa a pedido do governo um mapa itinerário da província de São Paulo, impresso através do sistema de poligrafia.
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1838

Criação do papel inimitável.

Instala no Largo da Matriz a primeira tipografia da cidade.
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1842

Funda em Campinas, juntamente com o padre Diogo Antônio Feijó (1784 - 1843), o jornal O Paulista, primeiro periódico do interior da província de São Paulo, no qual difundia ideias liberais.

1849

Inicia a reescrita do diário onde relata a Expedição Langsdorff e outros escritos, que ficou conhecido como L’Ami des Arts livré à lui-même [O amigo das artes deixado por conta própria] ou Recherches et découvertes sur différents sujets nouveaux [Pesquisas e descobertas sobre diferentes assuntos novos], sendo concluído em 1859. O texto traz informações biográficas, notas e ilustrações de seus inventos.

1850

Falecimento de Maria Angélica, na cidade de Campinas. Florence passa a administrar a herança de seus filhos, uma propriedade cafeeira com trinta escravos no município de Campinas, conhecida por Fazenda Soledade.
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1852

Idealiza uma sexta forma de arquitetura a qual dera o título de Ordem Palmiana ou Ordem Brasileira, baseada na utilização das palmeiras brasileiras, cuja aplicação, de acordo com o tipo da palmeira, se daria na constituição de colunas, capitéis, arcadas e abóbadas.
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1854

Casa-se com com Carolina Krug, filha de Henrique Krug e Isabel de Bus, na cidade de Campinas.

1855

Faz sua única viagem de volta à Europa para despedir-se de sua mãe

1863

Funda em 30 de novembro, juntamente com sua segunda esposa, Carolina Krug Florence, o Colégio Florence, situado na Rua José Paulino, dedicado à educação feminina.

1877

É admitido como sócio do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil.

1879

Morre aos 75 anos, na cidade de Campinas em 27 de março.
Hercule Florence | Fotografia
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Século V a.C.

Primeiro registro de observação do fenômeno da câmera obscura pelo filósofo chinês Mo-ti.
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400 a.C.

Registro do fenômeno da câmera obscura por Aristóteles.

Século XV

Utilização da câmera obscura por pintores, como Leonardo Da Vinci, no Renascimento.

1568

Giovanni Battista Della Porta introduz lentes na câmera obscura para melhorar a nitidez da imagem projetada.

Século XVII

Pintores passam a utilizar câmeras escuras portáteis.

1725

J.H. Schulze realiza experimentos que indicam sensibilidade dos sais de prata à luz.

1826

Joseph Nicéphore Nièpce realiza a primeira imagem permanente por meio da heliografia (escrita do Sol) com papel sensibilizado com cloreto de prata.
“Ao longo das três primeiras décadas do século XIX, em diferentes lugares, diferentes pesquisadores buscavam alcançar um antigo desejo: tornar permanentes as imagens dos objetos externos formados no interior da câmera obscura.”
BORIS KOSSOY
1833
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15 de janeiro

Hercule Florence anota aquele que pode ter sido o seu primeiro registro sobre fotografia.

“Eu acredito [...] que um dia vamos imprimir pela ação da luz. Todo mundo sabe que a luz descolore objetos, [...]. Se eu fosse químico, talvez eu conhecesse uma substância que colore ou descolore na luz, ou que mude de cor, ou que escureça.”
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20 de janeiro

O artista-viajante registrou suas duas primeiras experiências com o processo fotográfico. Em ambas usou uma câmara escura “muito imperfeita”, em suas próprias palavras, e nitrato de prata - a essência do conceito fotográfico baseado no sistema negativo-positivo.

8 de abril

Sobre a busca de um agente fixador e a experiência com urina, Florence anotou:

“Embebemos uma face de papel de carta e a expusemos ao sol, escondendo-lhe uma parte com um corpo opaco. A parte exposta escureceu. Em seguida, para evitar que a parte oculta sofresse a mesma transformação logo que exposta à luz, molhamos o papel, um pouco ao acaso, em urina, durante um quarto de hora.”

22 de outubro

O inventor foi pioneiro no uso da palavra fotografia em seu Livre d’annotations et de premiers matériaux. O verbo photographier (fotografar, em português) foi empregado por Hercule em 21 de janeiro de 1834.
Análises físico-químicas de imagens

Em junho de 2022, uma cooperação entre quatro instituições: IHF, IMS, Getty Conservation Institute e Laboratório HERCULES da Universidade de Évora, analisou três objetos fotográficos, incluindo os rótulos de farmácia de 1833 do acervo do IHF (imagem ao lado). Essas análises em conjunto com o texto de seus inúmeros diários provam quatro pioneirismos de Hercule no campo da fotografia: a utilização do termo “photographie”, o uso do ouro como elemento fotossensível, a produção de material fotográfico em solo americano e a utilização de amônia para a fixação de imagens.

1835

William Henry Fox Talbot [Inglaterra, 1800 - 1877] realiza o que chamou de “Desenhos fotogênicos”, cópias em papel pela ação da luz. Também conseguiu realizar pequenas imagens com uma câmera obscura.

1835-1837

Louis Jacques Mandé Daguerre [França, 1781 - 1851] consegue obter imagens pelo método que denominou como daguerreótipo - fotografia direta em placas de cobre sensibilizadas com iodeto de prata, reveladas em vapor de mercúrio e fixadas com uma solução salina.

1839

Data internacional da invenção da fotografia por Daguerre.
Florence toma conhecimento através de matéria publicada no Jornal do Comércio da cidade do Rio de Janeiro, da descoberta da fotografia levada a cabo pelo francês Daguerre.
Hippolyte Bayard [França, 1801-1887] realiza fotografias positivas diretas no papel.
Sir John Herschel [Inglaterra, 1792-1871] utiliza o termo fotografia para se referir ao seu invento. Ele é também o inventor da cianotipia.

1888

George Eastman [Estados Unidos, 1854 -1932] patenteia a primeira câmera Kodak que utiliza rolo de filme. A Kodak vira referência mundial na fotografia com o slogan: “You press the button, we do the rest.” (Você aperta o botão e nós fazemos o resto”.)
O envolvimento de Hercule Florence com a invenção da fotografia esteve desconhecido até 1900, quando Estevão Leão Bourroul (1859-1914) publica a sua biografia. As suas pesquisas com a fotografia passam a ser mais difundidas a partir de 1932, quando Arnaldo Machado Florence (1911-1987), um dos seus bisnetos, passa a divulgar seus inventos em artigos e palestras. Mas o artista só irá se tornar conhecido fora da América do Sul após a apresentação do fotógrafo e historiador Boris Kossoy nos Estados Unidos, que posteriormente gerou o livro ao lado.
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Em 1976, Boris Kossoy realizou uma apresentação no III Simpósio Internacional de Fotografia do Rochester Institute of Technology, nos EUA, na qual demonstrou evidências de que Florence teria utilizado materiais sensíveis à luz para produção de imagens já em 1833. O livro Hercule Florence: A descoberta isolada da fotografia no Brasil, traz este resgate e comprovação dos experimentos precursores de Florence com métodos de “impressão de luz”, que o levaram a uma descoberta independente da fotografia.

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1900

A Kodak lança a Brownie, uma câmera voltada para o grande público.
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1907

Chegada ao mercado das fotografias coloridas com o filme Autocromo.
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1928

A Rolleiflex surge como a primeira câmera reflex portátil com lente dupla.
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1947

Invenção da Polaroid, primeiro filme de revelação instantânea.
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1949

Entra no mercado a Contax S, primeira câmera equipada com um pentaprisma, dispositivo óptico que permite visualizar o motivo fotografado de cabeça para cima, sem inverter a imagem.
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1975

Invenção da primeira câmera digital por Steve Sasson, da Kodak
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1990

A Dycam Model 1 é a primeira câmera digital a chegar ao mercado.
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1999

Surgimento do primeiro telefone celular com câmera, o Kyocera Visual Phone VP-210.
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2007

Apple lança o primeiro Iphone.
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2011

Smartphones respondem por cerca de 25% das fotos tiradas em todo o mundo.

2024

Segundo estimativa do site Petapixel, são feitas 1,81 trilhões de fotos por ano, 5 bilhões por dia e 57.000 imagens por segundo.
Hercule Florence | Vídeos
A MENTE DE UM INVENTOR
Através da imaginação, da tecnologia e das ilustrações do próprio Florence, um mergulho lúdico na maneira como o inventor e artista pensava, enxergava e capturava o mundo. Um passeio pela sua mente, no período em que desenvolveu técnicas fotográficas inovadoras.
RECONSTRUINDO TECNOLOGIAS
Seria possível reconstruir, hoje, os processos, dispositivos e técnicas que Hercule Florence desenvolveu há quase duzentos anos? O fotógrafo Roger Sassaki seguiu os passos de Florence através de seus esboços e relatos, além de um tanto de sua própria imaginação, abrindo seu ateliê para compartilhar esta aventura!